Os atentados terroristas e golpistas aos Três Poderes em 8 de janeiro não agrediram somente o patrimônio público brasileiro, promovendo a destruição de obras de arte e da mobília histórica dos prédios mais importantes de Brasíllia (DF). Outro tipo de violência, que também atinge o coração da democracia, foi registrado naquela data, mas pouco falado diante das cenas deploráveis da invasão bolsonarista: a violência contra jornalistas. De acordo com a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), ao menos 15 profissionais foram atacados na ocasião, com ocorrências que vão de intimidações verbais a ataques físicos, passando pela quebra de celulares e equipamentos fotográficos.
Tais casos configuram o ápice do processo de recrudescimento da violência contra a imprensa que o Brasil vem experimentando nos últimos anos. Agressões contra jornalistas, infelizmente, já se tornaram rotineiras. De acordo com levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em 2022 foram registrados 376 casos. O dado consta na última edição do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, divulgado nos últimos dias. Vale lembrar que, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o País está na 110ª posição do ranking mundial de liberdade de imprensa, que utiliza informações de 180 países.
O cenário brasileiro não é exceção nessa escalada de ameaças à vida dos profissionais da área. Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) publicado neste mês mostra que as mortes de jornalistas aumentaram 50% em 2022, registrando 86 óbitos no mundo — o equivalente a um a cada quatro dias.
Nesse contexto, a notícia de que o Ministério da Justiça criará o Observatório da Violência contra Jornalistas é muito bem-vinda, pois delega ao poder público a tarefa de ajudar a proteger um direito fundamental não só dos trabalhadores do jornalismo, mas de toda a sociedade brasileira: a liberdade de imprensa.
Assim como liberdade de expressão não dá a um cidadão o direito de dizer o que bem entende sem as consequências previstas na Constituição, a liberdade de imprensa não é simplesmente sinônimo de jornalistas escreverem e publicarem o que querem. Parece algo ingênuo de se afirmar, mas ainda falta o entendimento geral de que este é um direito vinculado ao direito à informação, e de que toda agressão a um profissional dessa área, além de não ter justificativa, é também uma demonstração de ódio à democracia. Críticas a veículos e suas respectivas linhas editoriais devem ser feitas dentro dos limites constitucionais, sem remeter ao período ditatorial, em que repórteres eram perseguidos, presos e torturados.
Embora a deslegitimação do trabalho da imprensa não seja um fenômeno dos últimos quatro anos, esse processo tem se agravado de forma preocupante. As causas para isso são diversas, como a incerteza financeira dos veículos de comunicação e a intensificação do fenômeno da pós-verdade, com a consequente profusão de desinformação. Mas quando falamos em proteger a democracia de atentados como os vistos em 8 de janeiro, esse tema não pode ser visto como secundário. O fortalecimento da prática jornalística e a proteção de seus profissionais são requisitos basilares para a sustentabilidade de qualquer sistema democrático.