A digitalização da sociedade e a democratização das tecnologias de produção e circulação de informações nos oferecem uma oportunidade sem precedentes para acessar conteúdos sobre qualquer assunto e dar voz a diversas perspectivas. Ao mesmo tempo, também trazem grandes desafios para a construção do conhecimento e participação nos ambientes digitais.
A enorme quantidade e diversidade de autores nesses espaços, com propósitos diversos e muitas vezes ocultos, pode nos expor a desinformação, boatos e outros fenômenos que vitimizam indivíduos ou comunidades inteiras. Somam-se a esse panorama os efeitos da personalização algorítmica de conteúdos, oferecendo recortes da realidade que podem direcionar comportamentos, fragmentar a sociedade em realidades antagônicas ou direcionar indivíduos para ambientes extremistas.
É crucial, portanto, aprender a examinar “a dinâmica complexa entre indivíduos, mídia, e os sistemas e estruturas que moldam nosso mundo” (NAMLE, 2023). Precisamos aprender a lidar com esse ambiente de maneira intencional, reflexiva e crítica — não só na escola, mas ao longo da vida. Sem esse letramento, nos tornamos mais vulneráveis aos efeitos desestabilizadores da desinformação, que ameaçam as instituições e a própria integridade do tecido social.
Sem essas habilidades, tampouco somos capazes de perceber e combater discursos de ódio ou injustiças sistêmicas — criadas ou perpetuadas pelas mensagens em mídias ou pelas características subjacentes à própria tecnologia que podem aumentar a violência, reforçar preconceitos e aprofundar desigualdades. Sem esse olhar mais crítico para os ambientes digitais, os jovens estão expostos a dinâmicas de engajamento que podem trazer riscos para a sua saúde mental.
Se a comunicação é um direito humano fundamental, educar para a informação é essencial. Temos o direito de acessar informações de qualidade para aprender, pensar de forma independente e tomar decisões que afetam nossa vida pública e privada. Também temos o direito de participar dos diálogos e decisões da sociedade. Para isso, porém, precisamos rever o que compreendemos por “inclusão digital”. Não basta garantir o acesso à internet; é preciso também assegurar o desenvolvimento de habilidades que nos assegurem um uso fortalecedor e saudável do ambiente comunicacional e informacional, bem como a possibilidade de ocupar espaços por meio de participação positiva e autoexpressão ética.
Termos como “nativos digitais” e “cidadania digital” também precisam ser vistos por novas lentes. Embora as novas gerações tenham familiaridade com as telas, isso não significa que possuam as habilidades necessárias para atuar de forma atenta e reflexiva nesses ambientes. Isso torna-se ainda mais grave à medida em que naturalizamos a presença intensa da computação na vida cotidiana, de modo que seu funcionamento e impacto não são mais perceptíveis ou questionáveis. Em um contexto em que a vida online e offline estão constantemente interligadas, afetando-se mutuamente, devemos reconhecer que não existem dois conjuntos de regras de convivência e cidadania. Educar os cidadãos para uma participação fortalecedora nos espaços de comunicação requer ir além da lógica meramente protecionista, capacitando-os a ocupar esses espaços de forma positiva e responsável, respeitando os valores da ética e da justiça, reconhecendo e valorizando a diversidade, tanto dentro quanto fora do ambiente digital.
Tornar a sociedade mais resiliente a violações de direitos nos ambientes digitais é um problema complexo. As causas dessas violações são múltiplas e entrelaçadas — desde o baixo nível de alfabetização informacional de certos grupos populacionais e nossos próprios preconceitos até as características do ambiente algorítmico, controlado por interesses comerciais e sujeito à imprevisibilidade das reações humanas. É necessário um esforço coletivo para a manutenção de um ambiente de comunicação saudável, com a responsabilização e o esforço conjunto de todos os atores envolvidos, da população aos veículos e plataformas.
A educação é a base desse esforço, e é na escola que está nossa maior oportunidade de examinar e interrogar essas dinâmicas. Ao conhecermos de forma mais profunda o ambiente tecnológico, reconhecemos o que nele há de humano: só assim podemos propor novas formas de participação, engenharia e governança tecnológica para desenhar novos futuros.