A cultura digital é uma realidade intergeracional. Cada vez mais idosos envolvem-se com dispositivos que possibilitam a conexão à internet. Com a pandemia, muitos passaram a usar redes sociais e aplicativos de mensagens com mais frequência, sobretudo para manterem contato com familiares e amigos. Dados de 2021 de uma pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) demonstraram um crescimento de 29% no acesso à internet por pessoas idosas em três anos, passando de 68%, em 2018, para 97% das pessoas na faixa etária pesquisada, em 2021.
Na ocasião da pandemia, ainda, não apenas as redes sociais passaram a ser mais usadas por idosos, mas também aplicativos de transporte e de bancos, de acordo com a mesma pesquisa. A mediação das interações por telas, antes dispensável por esse público, que priorizava outras formas de comunicação, passou a ser um imperativo a partir das medidas de isolamento ou distanciamento social, inclusive para a manutenção de relacionamentos familiares.
Desde o retorno às atividades presenciais, ainda em 2022, o mundo já mudou bastante e as tecnologias seguem seu curso veloz de transformação. No ano passado, a sociedade foi surpreendida com novos e inovadores formatos de inteligência artificial generativa, que desafiam ainda mais a sociedade a pensar em estratégias que promovam a reflexão crítica sobre o uso responsável desses novos recursos e também sobre consequências, em médio e longo prazos, dessas inovações. Para o público idoso, no entanto, os desafios são ainda maiores.
Para entendê-los, é preciso considerar a diversidade que envolve esse segmento etário. Hoje em dia, muitas pessoas mantêm uma vida profissional ativa para além dos 70 anos e, nesse contexto, a depender da atividade desempenhada, é possível acompanhar na prática o desenvolvimento de novos recursos tecnológicos, experimentando-os e refletindo sobre eles. Outros idosos, no entanto, distantes do mundo do trabalho há mais tempo e sem frequentar espaços formais de educação, podem ter mais dificuldade de tomar conhecimento das inovações e de seu modus operandi.
Conceitos antes restritos a especialistas em computação se popularizaram graças à sofisticação tecnológica digital e do seu uso profundamente enraizado no cotidiano. “Inteligência artificial” e “algoritmo” já são termos cujos significados são dominados por muitos, mas nem sempre por idosos que ainda têm poucas oportunidades de compreender suas complexidades, diferentemente do que já ocorre na educação básica, que já prevê a discussão sobre cultura digital no currículo escolar.
Essa é uma impressão que obtivemos com algumas oficinas que temos realizado, desde o início deste ano, no âmbito do EducaMídia 60+, programa de educação midiática com ênfase na terceira idade, do Instituto Palavra Aberta. Os participantes, que integram iniciativas como o projeto USP 60+ e Circuito Butantã da Maior Idade, têm demonstrado curiosidade e preocupação com os avanços.
Ao contrário do que imaginamos inicialmente, o principal interesse desse público não está tão relacionado às novas lógicas que permeiam as tecnologias digitais, mas sobretudo em como é possível defender-se delas. Não que idosos considerem as inovações uma ameaça pura e simples, mas já entendem que muitas mensagens com a intenção de enganar e tirar proveito, podem ser produzidas a partir de inteligências artificiais, dificultando sua decodificação.
Não bastasse o estigma de “inocentes digitais”, que torna a experiência digital de pessoas idosas mais hesitante, as novas formas de inteligência artificial podem incrementar o desestímulo à exploração de novas ferramentas digitais, abalando sua confiança no que diz respeito tanto ao acesso de conteúdos pelas redes sociais quanto ao uso de aplicativos para compras e transações online.
As iniciativas de educação digital e midiática voltadas para idosos devem, portanto, não apenas expandir-se em ofertas e abrangência, mas também encorajá-los a não abrir mão do direito de usufruírem da internet pela ambivalência das inovações.
(Foto: Kampus Production/Pexels)