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2023 e a crença em um Brasil comunista

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AutorMariana MandelliCoordenadora de comunicação Sobre o autor

“A ameaça comunista é uma versão do ‘homem do saco’ voltada para adultos”. Esta frase faz parte de um meme bastante difundido nos últimos períodos eleitorais, sendo atualizado a cada pleito para satirizar as “fake news” de que a esquerda estaria tramando um golpe para instaurar um regime do tipo no País. Como o poder

“A ameaça comunista é uma versão do ‘homem do saco’ voltada para adultos”. Esta frase faz parte de um meme bastante difundido nos últimos períodos eleitorais, sendo atualizado a cada pleito para satirizar as “fake news” de que a esquerda estaria tramando um golpe para instaurar um regime do tipo no País. Como o poder de um bom meme está em sintetizar a realidade de forma cômica e sagaz, esse cenário não é fantasioso: mais da metade dos brasileiros realmente acreditam nisso.

Pesquisa divulgada neste mês pelo Datafolha mostra que 52% dos eleitores concordam total ou parcialmente que o Brasil está próximo do comunismo. O percentual é superior ao publicado pelo Ipec em março, quando o instituto revelou que 44% creem que o “espectro comunista”, para parafrasear Marx e Engels, “ronda” a sociedade brasileira.

O que a princípio pode parecer cômico, já que não encontra base alguma no atual contexto sociopolítico, não deixa de ser preocupante. Por mais que as porcentagens dos levantamentos combinem com as taxas de votos válidos da última eleição, em que a campanha de Jair Bolsonaro, candidato derrotado que há anos difunde boatos anticomunistas, obteve 49,1% da preferência do eleitorado, é preciso ir além das possíveis correlações.

Combater a desinformação quando os fatos simplesmente não importam talvez seja um dos maiores desafios dos nossos tempos. Por mais que o “medo do comunismo” não seja exatamente uma novidade no Brasil – os meses do governo João Goulart que antecederam o golpe militar de 1964 são um bom exemplo dessa suposta ameaça –, vivemos em um momento em que a escala de ideias conspiracionistas ganhou proporções imensuráveis. Ademais, essas narrativas não surgem apenas às vésperas das eleições: elas são fomentadas e difundidas continuamente –  basta lembrar de outros conteúdos virais nessa temática, como o meme da Ursal, de 2018.

Ainda nos falta o entendimento de como agir e do que fazer frente ao impacto emocional que a desinformação exerce em determinados grupos, já que o que enxergamos como descolamento da realidade, praticamente metade do País vê como probabilidade. Em outras palavras, enfrentar os diferentes vieses de confirmação em audiências heterogêneas é um grande obstáculo para a criação de ações contundentes e efetivas.

Por mais que se exija mais transparência por parte das plataformas digitais quanto ao funcionamento dos algoritmos e, consequentemente, sobre o surgimento de bolhas informacionais e câmaras de eco, a propensão a acreditar naquilo que combina com nossos valores políticos e visões ideológicas de mundo seguirá sendo um fator preponderante para que conteúdos mentirosos sejam por nós validados e compartilhados, independentemente de serem verdadeiros. 

Diversos pesquisadores sugerem, como caminho, o consumo de informações em fontes variadas, de diferentes linhas editoriais, para mitigar possíveis radicalizações de pensamento e viralização de mensagens mentirosas e antidemocráticas. Nesse sentido, políticas públicas de educação midiática e política são importantes para o desenvolvimento da consciência sobre nossos próprios vieses cognitivos na hora de avaliar uma informação para além de sua fonte, refletindo sobre as suas potenciais conotações e contextos. Não há uma solução única para um problema tão complexo em uma sociedade como a nossa, onde elementos como diversidade religiosa, baixa escolaridade, desconhecimento histórico e acesso desigual às informações e tecnologias fazem parte do caldo da desinformação – mesmo porque teorias da conspiração são impulsionadas e disseminadas também pelas elites. Mas precisamos encarar o combate à desinformação com seriedade, adotando medidas educativas e de responsabilização daqueles que criam essas mensagens com a intenção de causar distúrbios sociais, se quisermos, de fato, tornar o ambiente informacional mais saudável e menos neurótico quanto a fantasmas políticos totalmente improváveis.

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Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação

Mariana Mandelli é coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta.