*Crédito da Imagem: Gilvan Rocha/Agência Brasil
A tragédia no Rio Grande do Sul escancara fatos que precisam ser enfrentados urgentemente. O mais óbvio refere-se às mudanças climáticas que, apesar dos incontáveis alertas da comunidade científica, ainda não são enfrentadas com afinco. Outro diz respeito à desinformação, que consome tempo e energia num momento em que a prioridade é (ou deveria ser) salvar vidas.
Informações falsas não são novidade, assim como a propaganda usada para minar a confiança em adversários políticos ou instituições. A novidade está na velocidade e no alcance dos conteúdos fraudulentos que agora circulam por aplicativos de mensagem e redes sociais — aliás, os mesmos canais que, se usados de forma responsável, ajudam na articulação de voluntários, na organização de doações e até na localização de crianças separadas de suas famílias nas enchentes.
Como já vimos em outros episódios, as catástrofes despertam o melhor e o pior da humanidade. A pergunta sobre a qual deveríamos nos aprofundar é: como fazer essa balança pender para o lado positivo? Ou, quando olhamos especificamente para o ecossistema informacional, como fomentar o uso mais responsável e ético das plataformas digitais?
É importante que o rastro de destruição da desinformação fique bem claro para toda a sociedade: ainda que o conteúdo falso tenha como alvo um ou outro político ou partido, é a população do Rio Grande do Sul quem mais sofre as consequências. Os boatos desencorajam novas doações, frustram os profissionais da linha de frente dos resgates e geram mais insegurança entre as vítimas. “Minha mãe está no RS e tem se sentido muito ansiosa porque, além da enchente em si, ela diz que não sabe mais no que acreditar”, relata uma professora universitária que vive em Pelotas.
Não só ansiedade, mas também medo e ódio costumam compor a lógica da desinformação. O conteúdo falso aproveita-se desses sentimentos para ganhar tração e viralizar.
Além do forte discurso antigovernos (em posts que insistem que “o poder público não faz nada” ou “o poder público só atrapalha”), as informações falsas sobre a situação no Rio Grande do Sul se valem do pânico econômico. É inegável que a economia sofrerá um baque e isso precisa ser discutido com seriedade, a partir de dados confiáveis — algo muito diferente do que acontece em publicações alarmistas e sem fonte identificada sobre desabastecimento imediato de arroz, por exemplo.
Nos momentos de crise e de tragédias precisamos ainda mais de informações sérias e confiáveis para tomar as melhores decisões. Foi assim durante a pandemia de Covid-19; e talvez não tenhamos aprendido a lição.
Em “Ensaio sobre a cegueira”, o escritor português José Saramago nos confronta com o lado mais sombrio da condição humana. A obra, que vem sendo lembrada por alguns ao acompanhar a situação no sul do país, nos convida à reflexão: “Se não podemos confiar uns nos outros, aonde é que vamos parar, perguntavam uns, retoricamente, ainda que cheios de razão.”