“A ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer”, escreveu o físico, astrônomo e professor de ciências espaciais Carl Sagan em seu famoso livro “O mundo assombrado pelos demônios”. Publicada há quase 30 anos, a obra expõe sua preocupação com uma onda de pseudociência e mistificação, facilmente abraçadas pela população diante dos mistérios do universo.
Sagan foi um dos mais importantes divulgadores do conhecimento científico no século 20, num período em que editoras estabelecidas e a imprensa profissional estavam entre os escassos meios de comunicação disponíveis para o público leigo. O cenário era de poucas vozes — tanto para informar quanto para desinformar.
Nos últimos anos, a internet ampliou exponencialmente essas possibilidades, também para o bem e para o mal. Atualmente, o contato entre cientistas dispostos a “traduzir” as complexidades de seus campos e a sociedade em geral é muito mais frequente, assim como os riscos de proliferação de conteúdos enganosos (produzidos e compartilhados de propósito ou por engano).
Um episódio recente ilustra bem os desafios que vivemos, e nos convida a uma vigilância constante para que os mecanismos de checagem e correção não sejam intimidados ou desencorajados. A conta em rede social NuncaVi1Cientista, da bióloga Ana Bonassa e da farmacêutica Laura Marise, foi condenada em primeira instância a pagar indenização de R$ 1 mil por dano moral, além de multa, após desmentir a informação de um outro perfil em rede social que atrelava a ocorrência de diabetes à presença de vermes no organismo e oferecia “protocolos de desparasitação” para enfrentar a doença.
Para alívio de todos que prezam por informações acuradas e cientificamente embasadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a condenação. Em sua manifestação, o ministro Dias Toffoli destacou que a publicação do canal NuncaVi1Cientista é fundada em fatos e dados científicos e que a desinformação usada para venda do protocolo contra vermes deve ser denunciada.
O episódio nos propõe reflexões importantes sobre responsabilidade e ética em um ecossistema informacional cada vez mais complexo, e ressalta a importância da educação midiática como caminho para o consumo e a produção de conteúdos de forma mais consciente e crítica. Sob a ótica da educação midiática, o caso que chegou à Justiça merece ser examinado em diversas frentes, como por exemplo:
- Influenciadores e redes sociais: quem são as pessoas e perfis que seguimos, as evidências que apresentam e o propósito de suas mensagens;
- Liberdade de expressão: quais os valores de quem se vê no direito de disseminar desinformação, mas busca calar quem os questiona e confronta;
- Conteúdo viral: o que faz com que certas mensagens ou posts que propõem soluções fáceis e curas milagrosas para doenças recebam tanto engajamento;
- Viés de confirmação e apelos emocionais: por que tendemos a acreditar com mais facilidade nas mensagens que confirmam nossas crenças pré-existentes, e como a desinformação aproveita-se das nossas emoções.
As preocupações de Carl Sagan continuam atuais. Para enfrentá-las, precisamos mais do que nunca de ciência e de educação.