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Desconstruindo o tiozão do zap

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AutorBruno FerreiraCoordenador pedagógico Sobre o autor

Idadismo, preconceito com pessoas idosas, faz com que essa população seja estigmatizada por comportamentos “sem noção” nas mídias sociais

Imagem: Nappy

Os problemas de convivência, no contexto da cultura digital, ganham novas camadas de complexidade nos tempos atuais. Para os mais velhos, principalmente, conviver em grupos de aplicativos de mensagem pode ser bastante desafiador, em razão do preconceito dos mais jovens com comportamentos indesejáveis que não são – definitivamente – exclusividade de nenhuma faixa etária específica, como o compartilhamento excessivo de conteúdos irrelevantes, imagens de bom dia e piadas em diferentes formatos e – o mais grave – “fake news” ou outras modalidades de desinformação.

Assim como não é raro haver pessoas com esse perfil em vários grupos no nosso cotidiano, também não é raro o preconceito etário que acompanha essas pessoas. Os mais jovens que têm atitudes “sem noção” como essas não são tão estigmatizados pelas mancadas que dão nas redes. Os mais velhos, no entanto, têm seu comportamento desqualificado em razão da idade, tanto é que hoje em dia, a imagem de “tio” ou “tia do zap” é clara para muita gente: idosos que parecem não refletir muito sobre o que postam ou passam adiante nas redes sociais.

No entanto, equívocos virtuais são comuns a todos. Do cantor Ney Matogrosso, de 80 anos, que publicou, por engano, um nude seu em sua conta no Instagram, (mas o apagou quando se deu conta do que havia feito) a celebridades mais jovens, como o atleta olímpico Gabriel Medina, de 27 anos, que teve um vídeo íntimo seu vazado em 2019.

Situações como essas só reforçam que estar no mundo conectado requer mais fluência digital e midiática para evitar exposições indesejadas, bem como reflexão acerca da intencionalidade das mensagens que publicamos, enviamos ou recebemos. Os mais jovens, nesse sentido, têm a vantagem de discutirem essas questões ainda durante a educação básica. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, consequentemente, vários currículos locais preveem o desenvolvimento de habilidades comunicacionais, digitais e midiáticas na escola, de modo transversal às disciplinas.

A educação midiática contribui para a superação de desafios preocupantes, como a falta de habilidade para discernir fatos de opiniões, comum a 67% dos adolescentes brasileiros de 15 anos, segundo dados da OCDE de 2020, bem como a dificuldade que 40% das meninas têm em não saber identificar notícias falsas. Mas se até mesmo os chamados “nativos digitais” precisam de formação para qualificar sua presença no mundo digital, o que dizer das pessoas acima de 60 anos, algumas das quais acompanharam as mudanças nas formas de comunicação intuitivamente ou apenas do ponto de vista instrumental?

Levantamentos recentes demonstram que a presença de pessoas acima de 60 anos no mundo digital é efetiva. Segundo a pesquisa CNDL/SPC Brasil 2021, 97% dos idosos acessam a internet no país e 84% usam smartphones para essa finalidade. Dessa forma, é preciso contemplar a especificidade e a diversidade desse público, uma vez que a educação midiática também é um direito de pessoas nessa faixa etária, para que possam expressar-se efetivamente, livres de estereótipos e rótulos redutores.

Nesse sentido, o Instituto Palavra Aberta lançou, em 30 de setembro, o EducaMídia 60+, programa de educação midiática para que pessoas com mais de 60 anos de idade, um grupo tão diverso e significativo da população brasileira, desenvolvam as habilidades necessárias para participar plenamente da sociedade conectada.

Para isso, procura dialogar com profissionais que desenvolvem atividades educativas não formais com esse público, a partir de conteúdos pedagógicas e estratégias para sua aplicação em diferentes contextos, sobre temas como: busca e avaliação de informações no mundo conectado, diferenças entre tipos de conteúdos midiáticos, desinformação e “fake news”, lógicas das redes sociais e golpes na internet. 

Qualificar a presença no mundo digital é uma urgência para todos, uma vez que as redes não são algo à parte da vida em sociedade. O tempo das pessoas idosas é o presente. Dessa forma, é preciso garantir hoje que sua experiência no mundo digital seja acolhedora, segura e significativa.

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Bruno Ferreira

Coordenador pedagógico

Jornalista e professor. Mestre em Ciências da Comunicação e especialista em Educomunicação pela ECA/USP. Possui licenciatura em Educação Profissional de Nível Médio, pelo IFSP. Atuou como professor de Comunicação e Desenvolvimento Social, no Senac-SP, como consultor de alfabetização midiática e informacional da UNESCO e formador de professores de redes públicas de ensino.