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Contexto digital entra na mira de importantes termômetros da educação

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AutorDaniela MachadoCoordenadora do EducaMídia Sobre o autor

Indicador de alfabetismo começa a medir habilidades digitais e midiáticas; Pisa incluirá letramento em IA na edição de 2029

Divulgado esta semana, depois de um intervalo de seis anos, o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) mostrou que importantes dados sobre a educação brasileira pouco mudaram nos últimos anos. Segue em 29% a fatia da população de 15 a 64 anos considerada analfabeta funcional, enquanto os proficientes oscilaram de 12% para 10% no período entre 2018 e 2024. Além dos números em si, a pesquisa chama atenção por provocar um debate essencial: o que, afinal, significa ser alfabetizado nos tempos atuais? De que práticas sociais tratamos ao medir a capacidade de uma pessoa compreender e utilizar a linguagem escrita?

A digitalização da sociedade, com a proliferação de plataformas e aplicativos de que dependemos cada vez mais para acessar serviços e usufruir direitos, altera e expande significativamente o escopo da alfabetização. Diante dessa constatação, o Inaf procurou medir, pela primeira vez, o alfabetismo também no contexto digital. 

Em um exercício ainda incipiente, a pesquisa detectou limitações mesmo entre os alfabetizados proficientes: 40% desse grupo teve desempenho apenas médio ou baixo em situações do cotidiano desenvolvidas em ambientes digitais. No caso dos analfabetos, 95% conseguiram apenas realizar tarefas muito limitadas.

Para chegar a esses dados, o Inaf propôs três atividades aos entrevistados: um processo de compra online em que era necessário identificar uma tentativa de golpe; interação em um grupo fictício de WhatsApp para escolher um filme para assistir; e preenchimento de um formulário digital para inscrição em um festival de música. 

Há alguns anos, a pesquisadora estadunidense Renee Hobbs, referência mundial em educação midiática, nos convida à reflexão ao afirmar que “o conceito de literacia muda à medida que mudam as tecnologias e as formas de circulação da informação”. Também a Unesco, em uma proposta de currículo de alfabetização midiática e informacional, propõe uma ecologia de literacias: da informação, visual, da notícia e de dados — isso sem falar no letramento algorítmico a partir do qual podemos conhecer os mecanismos de seleção e personalização empregados por redes sociais, sites de busca e aplicativos de inteligência artificial com que interagimos crescentemente. 

Em 2022, o National Council of Teachers of English, instituição centenária que busca o aprimoramento do ensino na área de linguagens nos Estados Unidos, divulgou uma declaração em que destaca o impacto das “rápidas mudanças no ecossistema de informações e comunicação” dentro e fora das escolas. “Todos em nossa sociedade agora precisam da capacidade de avaliar a qualidade amplamente variável da informação, do entretenimento e da persuasão que os cerca, de refletir sobre a veracidade e a validade das alegações e de desmascarar a desinformação quando necessário”, apontou o NCTE. Para o conselho, as discussões sobre exclusão digital cada vez mais envolvem o grau de habilidade com que as pessoas “têm sucesso ou enfrentam dificuldade ao usar a tecnologia na tentativa de navegar por seus ambientes, solucionar problemas e tomar decisões”. 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também já anunciou que o PISA 2029 terá avaliações sobre alfabetização midiática e em inteligência artificial, ampliando o leque do que geralmente é avaliado. A intenção é verificar se os jovens “tiveram oportunidades de aprender a se engajar ativa e criticamente em um mundo onde a produção, a participação e a integração são cada vez mais mediadas por ferramentas digitais e de IA”. 

Os novos dados servirão de farol para políticas públicas que maximizem as oportunidades geradas pelas tecnologias digitais ao mesmo tempo em que favorecem o enfrentamento de seus riscos.

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Daniela Machado

Coordenadora do EducaMídia