Na semana passada, um dos colégios mais tradicionais de São Paulo suspendeu 34 estudantes por terem ameaçado e ofendido, de forma racista, misógina e homofóbica, outros alunos por meio de mensagens no WhatsApp. O episódio de bullying ocorreu no colégio Santa Cruz e revelou uma hierarquia tóxica entre alunos do terceiro e primeiro anos do ensino médio baseada em discursos de ódio. Por meio de nota, a escola afirma lamentar o ocorrido e “repudiar qualquer forma de violência”.
O nível das mensagens é deplorável, como revelou a coluna da jornalista Mônica Bergamo nesta Folha. Trotes que incitavam a ingestão de bebidas alcoólicas e pedidos de vídeos dos mais novos em trajes íntimos também estão entre os conteúdos trocados entre os jovens de 15 e 17 anos.
O caso permite algumas reflexões. Uma delas é que somente a proibição de celulares nas redes de ensino, que agora é lei federal, não coíbe esse tipo de conduta. É claro que o veto aos telefones tem como objetivo fazer com que crianças e jovens tenham mais atenção às aulas, sem as distrações contínuas que as telas oferecem, além de promover a sociabilidade e os vínculos presenciais entre eles.
No entanto, é fato que o uso que adolescentes fazem das tecnologias em outros ambientes, incluindo suas casas, impacta direta e maleficamente a convivência entre eles na escola. Excluir do cotidiano escolar o debate sobre a dinâmica das redes e aplicativos de troca de mensagens, bem como o uso ético, respeitoso e responsável deles, não anula a existência de comportamentos nocivos nesses espaços online — com consequências na vida offline, se é possível ainda fazermos essa distinção.
Outra reflexão possível emerge do questionamento: por que esse tipo de situação acontece com mais frequência em grupos e fóruns compostos por homens, jovens ou não, do que em ambientes digitais com maior presença feminina? Exemplos não faltam, inclusive em contextos escolares, como aconteceu entre 2023 e 2024 em colégios de Cuiabá (MT), Itararé (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE). Em todas essas cidades, estudantes usaram inteligência artificial para criar nudes falsos de alunas e professoras.
Não se trata de dizer que mulheres não possam ser tóxicas, violentas ou preconceituosas, mas de buscar entender como homens incorporam, desde muito novos, estruturas sociais que excluem e violentam, reproduzindo especialmente machismo, misoginia e homofobia nos mais diversos contextos — incluindo o digital.
Valeska Zanello, pesquisadora e professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), publicou em 2020 um artigo acadêmico que detalhou sua investigação sobre grupos de WhatsApp masculinos. No texto, ela utiliza o conceito de “casa dos homens” do sociólogo Daniel Welzer-lang para explicar relações de cumplicidade entre homens dentro dessas comunidades digitais, em que eram compartilhados conteúdos altamente misóginos.
O trabalho de Zanello nos permite compreender como as ideias de masculinidade(s) e pertencimento estão entrelaçadas social e culturalmente, refletindo-se nesses grupos virtuais, onde homens reafirmam suas identidades e reproduzem condutas internalizadas de forma pactual.
O caso do colégio Santa Cruz chama a atenção porque estamos falando de adolescentes, e perceber como esses comportamentos estão naturalizados entre eles é fundamental. Culpar apenas as tecnologias sem considerar e entender essas (e outras) estruturas que nos sustentam enquanto uma sociedade sexista não é um caminho efetivo. Punir sem educar também não.