📸: Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
A poucos meses do quarto aniversário de morte de Moa do Katendê, assassinado aos 63 anos em outubro de 2018 após uma discussão em um bar, o noticiário foi permeado pelo ataque a tiros que vitimou Marcelo de Arruda durante a festa em que comemorava seus 50 anos. A motivação dos dois crimes foi a mesma: a intolerância política em ebulição no Brasil.
Tanto Moa, cujo nome era Romualdo da Costa, quanto Marcelo foram mortos simplesmente por manifestarem de forma pública suas crenças ideológicas e partidárias, consolidando um contexto de negação de direitos e da consequente não aceitação do outro que estamos experimentando com intensidade assustadora nos últimos quatro anos.
Ataques sistemáticos às instituições democráticas; aumento vertiginoso de denúncias de intolerância religiosa, racial e de orientação sexual; queda nos índices de liberdade de expressão e de imprensa: os dados são variados e apontam todos na mesma direção. Um dos diagnósticos mais preocupantes é o da antropóloga Adriana Dias: de acordo com monitoramento realizado por ela, entre 2015 e 2021 o número de células neonazistas no Brasil aumentou de 75 para 530.
Tudo isso é fomentado pela disseminação de desinformação de diversas modalidades, com destaque para teorias negacionistas e conspiratórias que acirram ânimos, enclausuram o raciocínio lógico dos seus seguidores e incentivam modalidades diversas de violência dentro e fora das mídias sociais.
É impossível negar a influência dos discursos extremistas governistas nessa conjuntura, que funcionam como autorização para que a não aceitação do outro e de seus valores políticos, religiosos, culturais e morais se intensifique. E é preciso reforçar também que o Brasil não é exceção nessa escalada: o exemplo mais evidente é o dos Estados Unidos, onde tanto a eleição quanto o término do mandato do ex-presidente republicano Donald Trump foram marcados por episódios de violência, com destaque óbvio para a invasão do Capitólio em janeiro.
Mas a multiplicidade de ódios que promete efervescer ainda mais por aqui com as campanhas eleitorais não pode ser encarada como algo repentino, como sociólogos, historiadores e antropólogos já vem apontando há anos ao criticarem o mito do brasileiro cordial. Emprestando as palavras do filósofo e advogado Silvio Almeida em uma entrevista para a Revista Trip em janeiro: “Talvez, diante de tudo o que vem acontecendo, o Brasil tal qual conhecemos não exista mais. Para mim, já não se trata mais de reconstruir o Brasil. Mas de construir um Brasil que nunca existiu“.
Para que esse País que nunca saiu do imaginário seja criado, onde esse “déficit imenso de civilidade”, como bem definiu o ministro Luís Roberto Barroso, seja mitigado e os direitos constitucionais sejam, enfim, garantidos da forma mais equânime possível, é preciso priorizar políticas públicas que foquem na educação em prol da democracia e, consequentemente, da diversidade e da pluralidade de vozes e ideias.
Não há outra saída, e sabemos disso há tempos. Como bem apontou um dos maiores pensadores e educadores deste País, Anísio Teixeira, cujo nascimento completou 122 anos nesta semana: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.“ E essa escola pública deve ser laica e antirracista, guiada pela valorização dos direitos humanos, da cultura de paz e do diálogo.